
Pesquisando sobre a arte através da história, vemos que ela serviu sempre ao poder vigente em cada época. Seja no antigo Egito, na Grécia no Império Romano, etc. os artistas praticamente em todas as circunstâncias não assinavam seus trabalhos sendo tratados como meros produtores de obras das quais o poder tirava o devido proveito segundo seus objetivos estéticos e a fim de manter e reforçar sua influência.
Porém a partir do século XVIII, com o surgimento do movimento conhecido como Romantismo, o artista, idealizando a introspecção, passou a desenvolver obras que valorizavam seus sentimentos, suas emoções e sua visão de mundo. Uma visão individual que então serviria a seu próprio ego, na qual o artista clama por atenção e fama, não somente para as inovações em seus trabalhos, mas também, para seu nome.
Pulando um pouco para o século XX, o artista Fred Forest gostava de aparecer mas pra isso causou até com os militares aqui no Brasil nos anos de chumbo (1973) quando foi preso.
Lidar com o próprio ego é difícil e perigoso.
Deixando as aulas de história da arte de lado, vou me ater a analisar o graffitti e a arte de rua em geral. A arte moderna ocidental teve sempre uma veia questionadora desde o Impressionismo e acredito ser esse o caráter da arte. Todo artista é ou deveria ser um questionador. A arte, em tese, questiona valores, conceitos, técnicas e aplicações em prol do desenvolvimento de novas situações, novas linguagens, novas visões. Porém hoje no graffitti, o qual tinha tudo para ser a grande subversão questionadora vinda dos bueiros escuros das ruas, cada vez mais é transformado em arte para o mercado.
O graffitti começou como uma arte de iguais a qual qualquer um poderia pegar suas latas e sair pintando por aí. Essa idéia de universalidade da arte no graffitti hoje é questionada. Pois é um nicho que já foi dividido em camadas com os pequenos artistas sofrendo o preconceito e a exclusão pelos "grandes artistas" que se colocam em um pedestal forjado a arrogância e ouro.
Essa falsa idéia de universalidade é uma constante na arte como cita Roger L. Taylor:
"A idéia de que a arte é universal acarreta a crença de que seu apelo deve ser universal. Ser artista é querer dizer algo significativo para toda a humanidade. Essa visão é parte da ideologia da arte. No entanto,é explicitamente óbvio que a arte é uma atividade para um pequeno círculo e que seu apelo não é universal".
Porém isso não significa que devemos nos conformar com isso.
Onde está o foco dos graffiteiros e de muitos artistas modernos? Infelizmente no boom do mercado de arte...
Se me disserem algo que se oponha a isso, terei de discordar veementemente, pois quem vestir a carapuça reconhecerá na arte seu caráter como produto de produção e venda, portanto uma arte cooptada, recuperada, vendida.
E que mal há nisso?
O garoto, levado pela ânsia de estar em conformidade com os amigos da sua turma (tribo) e para agradar as garotas, decide comprar um tênis Nike. Ele pensa: "Que mal há nisso?" Porém ele não sabe que:
A alguns anos atrás em uma das muitas empresas terceirizadas da China por grandes transnacionais americanas como a Nike, foram encontradas fábricas de fundo de quintal onde trabalhavam crianças de menos de dez anos fabricando de maneira quase artesanal, diversos modelos de tênis Nike sob condições de trabalho escravo.
E a vida do garoto segue seu curso normal.
Ao querer turbinar meu computador e deixá-lo mais moderno e atualizado decido comprar a nova versão original do Windows da Microsoft. Penso: "Que mal há nisso?" Eu não sei que:
Outra transnacional, a Microsoft espalhada por diversos países do globo, tem na Índia um de seus melhores polos de terceirização. Desde que a Îndia virou parceiro importante de interesses americanos, a pobreza tem aumentado sem controle, aumentando a camada de explorados e reforçando a ilusão do pleno emprego X mão-de-obra barata. Basta olhar ao redor das metrópoles indianas a rapidez como as favelas crescem e brigam por espaços com os modernos arranha-céus.
E minha vida segue seu curso normal.
Ao sentir fome decido comer no Mc Donald's. Penso: "Que mal há nisso?" Porém não sei que:
Animais sendo criados em cativeiros industriais a base de antibióticos em condições assustadoramente mecânicas para gerar carne...
etc, etc, etc...
Cada indívíduo tem o direito de fazer a arte que deseja e de ser autêntico a sua maneira. Por outro lado podemos questionar essa autenticidade já que vivemos intoxicados pelo cotidiano e entubados por supositórios de mídia. Como podemos ser autênticos sob a influência dos meios de comunicação que nos hipnotizam o tempo todo com anúncios e estilos de vida fabricados, irreais à nosso cotidiano?
Será que fazemos da nossa vida o que queremos ou o que, sem perceber, somos induzidos a fazer?
Existe uma força maior, sobre nossas cabeças, que não se importa em fabricar séries de Tv, por exemplo, que ilustram nossa realidade cotidiana nua e crua, com favelas, crimes de periferia, etc., mesmo que isso gere lucro ao expor nossa desgraça, crescendo como câncer que é anestesiado nas filas de supermercados.
"A arte que incomoda, ignoramos. A arte que continua incomodando, eliminamos. A arte que não podemos ignorar nem eliminar por causa da força de sua influência... Ah! Essa nós compramos".
E não está sendo assim com o graffitti?
Um grande potencial desperdiçado. O alívio é saber que existem excessões.
Quando chamamos uma arte de vendida, qualquer autor o qual eu me refira se sentiria ofendido. Porém muitos que se ofenderiam almejam o estrelato tendo contraditoriamente, na primeira oportunidade, sua arte vendida para grandes colecionadores e galerias.
Ser confuso e contraditório é algo que sempre fez parte do ideal de arte. E não é diferente hoje em dia, principalmente no cenário de arte de rua. Artistas de rua divergem entre ser ou não ser um vendido.
O cenário anterior:
Final do século XIX. Artistas plásticos, escritores, teóricos entre outros reuniam-se em botecos de porão para beber e discutir sobre formas de resistir aos subterfúgios do sistema de produção, consumo, guerras, gerando formas criativas de ver o mundo e transformá-lo.
O cenário atual:
Jovens artistas de rua reúnem-se em eventos de arte nos quais celebram mais uma espécie de produto artístico que foi cooptado / recuperado pelo sistema de produção. Bebem, fumam, cheiram e comemoram mais uma vez a mediocridade que é representada no vazio da arte.
O cenário futuro (perfeitamente possível):
Jovens artistas de rua (uma das poucas cenas que têm a chance de escapar do sistema institucional da arte) reunem-se em comunidades da internet, em eventos de rua, botecos sem luxo ou galpões clandestinos e improvisados para planejar seu próximo golpe contra Alta Arte e, de preferência, vomitando coca-cola azeda na cara da sociedade de consumo.
O que você quer?
A arte pela arte?
A arte por um ideal?
A arte pelo dinheiro?
Há quem diz que no mundo moderno seria impossível viver do que gosta sem se livrar das amarras do dinheiro, afinal TODOS temos contas a pagar. Mas como eu disse em um papo com duas colegas – Sonia Bacha e Carolina Pitanga – todos querem viver da criatividade, mas ninguém procura formas criativas para viver, preferindo usar a arte como cartão de crédito para financiar uma vida de shopping center.
Acredite, para tudo há alternativas quando a mente não está condicionada.
Quer vender?
Então tenho mais perguntas:
Você sabe tirar dinheiro do sistema sem virar um mísero, imundo, desvalorizado e pisoteado capacho da elite representante da Alta Arte?
Seu dinheiro supriria suas ambições?
Como foram geradas essas ambições? Na frente de uma Tv, lambendo-se e extasiando-se com os produtos anunciados? Ou em biografias irreais de heróis que alcançaram o impossível?
Ou na vida real, no corre cotidiano, onde o herói verdadeiro é a matriarca sofrendo a humilhação de lamber a bosta do poodle da patroa a fim de pagar os estudos dos filhos para que esses não tenham o mesmo destino? Onde o herói é você quando, ao chegar no trabalho, seu chefe profere as primeiras broncas de manhã, exalando seu fétido e acre hálito matinal como se fosse a "oração nossa de cada dia". Nesse caso, quem seria o verdadeiro herói? Você, por aguentar tal humilhação em prol do pagamento que servirá para financiar seus estudos e os remédios para seu pai doente? Ou o homem-aranha que salvará a putinha de alma fútil das garras do famigerado vilão?
Como diria Raoul Vaneigem:
"Existem mais verdades em 24 horas da vida de um ser humano do que em todas as filosofias"
Não quero exaltar ninguém mas para tornar consistente meu argumento terei de citar o trabalho de um grupo de pessoas:
O coletivo Luther Blisset alcançou reconhecimento público com um livro que emplacou várias semanas entre os mais vendidos do jornal britânico The Guardian mesmo disponibilizando-o para download gratuito na internet. Apesar disso, muitos queriam comprar o livro impresso para ler ou para dar de presente. Os direitos sobre os textos do livro é livre para qualquer pessoa desde que citem os autores e não comercializem em benefício próprio (um bom exemplo de como se esquivar da mordida do sistema sobre os frutos de um trabalho seu e ao mesmo tempo torná-lo patrimônio de todos – socializar a cultura!).
Claro que tal trabalho deve familiarizar-se, agradar e oferecer deleite ao público.
Na autenticidade vale a sinceridade verdadeira do trabalho. Se o trabalho render o tão cobiçado e vil metal, isso será uma boa consequência, desde que não dependa-se dele para criar. Do contrário o caráter autêntico do trabalho será comprometido.
Claro que o intuito desse texto é causar furor pois, como dizia Nietzsche: “Sem um pouco de caos, é impossível parir uma estrela dançante”.
Os reis e estrelas já alcançaram o hall da fama e o reino dos céus e agora desbundam no paraíso (por enquanto). Clamo aos que ficaram, a vivenciar novos valores e dar um chute no saco da mesmice como passaporte para o inferno, pois lá pelo menos deve ter cerveja gelada!
Aja! Haja!
Faça! Exista!
Populacho.
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